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domingo, 7 de janeiro de 2018

O REGICÍDIO

A Carbonária foi uma organização terrorista secreta e armada, oriunda de Itália, e que se instalou em Portugal em 1822, liderada por Luz de Almeida a partir de 1898, que alistava grupos de civis que treinava nas técnicas de combate urbano e anarquista e procedia ao recrutamento de fidelidades nos quartéis entre os soldados e os sargentos.


 Apoiada pelo próprio grão-mestre do Grande Oriente Lusitano Unido, lançou-se mesmo em atentados bombistas como os do anarquista João Borges. Era paralela da Maçonaria, embora sem vínculo orgânico à Maçonaria Portuguesa, não obstante utilizava algumas lojas do então Grande Oriente Lusitano Unido para aquartelar os seus órgãos superiores, os seus membros eram na maioria também maçons, e colaborou oficialmente com esta Obediência para a tentativa de revolução republicana falhada de 28 de Janeiro de 1908 – conspiração urdida pelos republicanos, pela Carbonária e pelos dissidentes progressistas -, para o Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908, e, para a implantação da República, em 5 de Outubro de 1910. A Carbonária era uma organização política, mas de cariz armado, uma espécie de brigada de artilharia, inimiga da Monarquia, do clero e das congregações religiosas. A Carbonária impunha aos seus filiados que ‘possuíssem ocultamente uma arma com os competentes cartuchos’.

O órgão supremo da Carbonária Portuguesa era a Venda Jovem-Portugal, tão secreta que os seus membros não se conheciam uns aos outros e que apenas se reunia em caso de deliberações importantes. O seu Presidente honorário era o Grão-Mestre eleito na Venda Jovem-Portugal e mais quatro Bons Primos nomeados e escolhidos por este de entre os membros da Carbonária Portuguesa. Este era o órgão de gestão da Carbonária Portuguesa e o seu pólo dinamizador principal.

Na Carbonária havia quatro graus: Rachador, Aspirante, Mestre e Mestre Sublime. Os filiados tratavam-se por Primos e por Tu, havendo entre eles sinais de reconhecimento e palavras especiais, e, nas sessões apresentavam-se sempre todos de capuz geralmente negro ou com a cara encarvoiçada, para dificultar a exposição dos chefes, mas os quais, todavia, conheciam os seus homens. O estandarte carbonário era vermelho e verde e nele estava representado um Estrela de Cinco Pontas, que encima o Globo Terrestre e três pontinhos, dispostos em forma triangular com o vértice na parte inferior.

Do lado político das conspirações formou-se ainda um comité revolucionário composto pelos dissidentes do Partido Progressista, Visconde da Ribeira Brava e Alpoim, e, os republicanos Afonso Costa e Alexandre Braga, entre outros e que era conhecido pelo Grupo dos 18. Prepararam então a revolução.

Tudo servia de desculpa para denegrir o governo e o Rei: a maior das crises políticas, que El-Rei Dom Carlos I enfrentou foi, logo no início do seu reinado, o Ultimato britânico de 1890 usado pelos republicanos para inflamar a insatisfação popular e acicatar o ódio à Família Real Portuguesa. O Reino Unido apresentou a Portugal o Ultimato britânico de 1890, que intimava o desígnio expansionista de Portugal, concretizado no Mapa Cor-de-Rosa a desocupar os territórios compreendidos entre Angola e Moçambique num curto espaço de tempo, caso contrário seria declarada a guerra entre os dois países. Assim se perderam importantes áreas e a propaganda republicana aproveitou o momento de grande alvoroço nacional para responsabilizar a Coroa pelos reveses no Ultramar. Em 31 Janeiro de 1891, no Porto deu-se mesmo um golpe republicano, mas que foi debelado.



O que a propaganda republicana não divulgava, pois não lhes interessava, foi o papel do Rei que soube inverter a conjuntura e, fruto do seu exímio dom diplomático instalou Portugal no centro da diplomacia europeia da primeira década do século XX; a questão dos adiantamentos, isto é, das supostas dívidas da Casa Real ao Estado; a greve académica de Coimbra em Março de 1907, com o falso pretexto da reprovação de um candidato a Doutoramento em Direito; que João Franco governava em ditadura – ora acontece que depois de quebrado o apoio dos progressistas, passou a governar à turca, mas tratou-se de uma ditadura apenas administrativa, pois era impossível governar com o Parlamento que não funcionava; havia forte especulação de que Dom Carlos I intervinha muito na governação, ora, por causa da inoperância das instituições, designadamente o parlamento enredado no quiproquó do rotativismo, o Rei era, na prática, obrigado a exercer o poder real por vezes de forma significativa, embora sujeito pela Constituição a actuar no conselho do Gabinete – ou isso ou o País parava enredado no jogo rotativista! D. Carlos, foi até menos intervencionista que o regente D. Pedro, depois de 1834, ou que D. Maria II e Dom Pedro V.

De resto, os inimigos da Coroa, menos que uma ditadura, temiam a hipótese de uma nova forma de reinar, capaz de confirmar um caminho novo para o regime, limpo de toda a ferrugem que encardia a engrenagem da máquina.

Aliás, tudo parecia resolver-se, até porque o partido de João Franco alcança os acordos indispensáveis com os círculos eleitorais de maneira a garantir a desejada maioria, e são marcadas eleições para o parlamento, o que poria fim à ditadura administrativa e permitiria regressar a um cenário de normalidade e equilíbrio parlamentares.

A Família Real encontrava-se em Vila Viçosa desde 6 de Janeiro, no Paço Ducal dos Braganças, e que era tanto do gosto do Rei que apreciava o bucolismo e a vida simples e rural. Só Dom Manuel, após uma curta estadia, apressara a sua vinda para Lisboa com o objectivo de se preparar para os exames da Escola Naval.



Dia 28 de Janeiro de 1908 foi a data escolhida pelo comité revolucionário para a revolução pelas armas, mas um inconfidência de um dos conspiradores fez chegar a notícia da sublevação às autoridades que actuaram de imediato: António José de Almeida, Luz de Almeida, João Chagas, França Borges, João Pinto dos Santos e Álvaro Poppe foram presos imediatamente. Afastados estes, a chefia e orientação do coup recaiu sobre Afonso Costa, mas com a rápida intervenção das forças da ordem comandadas pelo general Malaquias de Lemos, acabou detido juntamente com Egas Moniz e o Visconde da Ribeira Brava de armas na mão, no Elevador da Biblioteca, de onde contavam chegar à Câmara Municipal para proclamar a república. José Maria de Alpoim conseguiu fugir para Espanha. As tropas por agora mantiveram-se fiéis ao regime e Machado dos Santos não conseguiu sublevar o quartel da Marinha em Alcântara, nem Cândido dos Reis apoderar-se do cruzador São Miguel.

João Franco extrapola e decide usar mão-de-ferro preparando um decreto-lei de excepção vaticinando o exílio para o estrangeiro ou a expulsão para as colónias, sem julgamento, de indivíduos que fossem pronunciados em tribunal por atentado à ordem pública e segurança do Estado. El-Rei hesitou, mas reflectindo, após insistência de Franco anui: ‘Cada vez temos mais necessidade acabar com agitação. Aprovo resolução tomada’. Dom Carlos assina o Decreto de 31 de Janeiro que prevê a deportação dos que atentassem contra a segurança do Estado. O Monarca terá, então, dito:  ’assino a minha sentença de morte!’. Mesmo assim decide regressar a Lisboa no dia seguinte, para não pensarem que o Rei se escondia.

Quem não parara de se movimentar na sombra era a Carbonária que, com a conivência do mencionado comité revolucionário, urdia um atentado para assassinar a Família Real desde 1907, data em que, numa deslocação a Paris, um grupo de republicanos decidira numa reunião com revolucionários anarquistas franceses assassinar o presidente do Conselho e o Monarca português! Houve depois vários encontros para preparar o atentado, sendo o último na madrugada desse dia 1 de Fevereiro de 1908, nos Olivais, onde uns primos da Carbonária, simultaneamente membros de uma loja maçónica não regularizada, decidem avançar com a impiedade. Decidem assassinar, primeiro o Rei Dom Carlos I, depois o Príncipe Real Dom Luís Filipe, depois o Infante Dom Manuel e, finalmente, a Rainha Dona Amélia.

O REGICÍDIO

A Família Real deixou Vila Viçosa às 11h00 de 1 de Fevereiro de 1908 e Dom Carlos I, Dona Amélia e Dom Luís Filipe viajaram de comboio até ao Barreiro onde apanharam o vapor Dom Luís.



Estava uma tarde linda, solarenga e vestida de azul, Dom Manuel, o Infante Dom Afonso, os conselheiros que compunham o governo e vários dignitários e áulicos da Corte, esperavam no cais fluvial de Lisboa o vapor que trazia a Família Real. Dom Carlos I, Dona Amélia e Dom Luís Filipe desembarcam às 17h10m no Terreiro do Paço. Dona Amélia é oblatada com um ramo de flores por uma rapariguinha, Dom Carlos desce de seguida e combina com João Franco reunião no Paço. Trocam-se rapapés vagarosos entre Dom Carlos e o Ministro da Guerra Vasconcellos Porto, e Dom Luís Filipe, o último a descer, vai entretendo boa parte dos 80 elementos que os esperavam, até que o Conde de Figueiró faz saber que as carruagens estavam prontas – pois, ao contrário da insistência do estribeiro-menor Coronel Alfredo Albuquerque, El-Rei decidira que seguiria num laudau de capota descida, prescindindo, dos automóveis. Sobem a carruagem aberta que os levaria às Necessidades. De acordo com o Protocolo, Dona Amélia subiu primeiro e ocupou o lugar à esquerda de frente, Dom Carlos o da direita, Dom Manuel de costas à esquerda e Dom Luís Filipe defronte ao Rei.

O cortejo saiu da estação e evoluía em marcha lenta com a carruagem real à frente e sem grandes medidas de segurança, com uns batedores a cavalo tomando a dianteira e o oficial às ordens a cavalo a ladear o Rei. O laudau seguia, um pouco destacado da comitiva, já nas arcadas à esquerda e quando, quase a dobrar para a Rua do Arsenal, nas arcadas do Ministério da Fazenda, ouve-se um tiro e um grito de ordem: ‘A Eles!!!’ Era a Carbonária!!!!!!



O Duque de Beja, o Infante Dom Manuel, olha perscrutante e repara num indivíduo de densas barbas negras e de varino, no passeio: era o Manuel Buiça! O facínora de olhar vítreo abre o capote e retira uma carabina, atira as faldas do varino para os ombros e corre numa fúria homicida a aproximar-se da carruagem; já na rua ajoelha-se à forma de atirador – com um joelho no chão e a coronha da Winchester 1873, encostada ao ombro! Manuel dos Reis Silva Buiça, professor primário, fixou o olhar duro e frio no Rei e disparou usando como alvo a gola vermelha do capote do pequeno uniforme de Marechal-General do Exército que o Rei envergava! A poderosa bala de calibre 44 acerta em cheio no Rei Dom Carlos, atravessando-lhe o corpo, fracturando a coluna vertebral e saindo pelo maxilar inferior, o Rei faz um esgar, mas abate-se de seguida, morto. Buiça continua a fuzilar El-Rei, o que faz o Príncipe Real, já recuperado do espanto sacar do Colt e disparar 3 tiros na direcção dos cinco terroristas – parece que atingiu José Nunes; Alfredo Costa surge por trás do Rei e dispara-Lhe sobre a nuca, depois coloca o pé direito no apoio de subida do landau e eleva-se ficando ao nível da Família Real, disparando sobre o corpo inerte e tombado de costas do Monarca português. Dom Luís Filipe dispara sobre o terrorista, mas os solavancos fazem-no errar o alvo. Enquanto isso, a Rainha Dona Amélia aos gritos de ‘Infames!’, armada do ramo de flores ofertado à chegada pela criança, flagelava corajosamente o Costa, mas em vão, pois Alfredo Luís Costa vira-se para o Príncipe Real e dispara-lhe em cheio no esterno, mas não mortalmente. O Príncipe Real não nega a sua varonia e corajoso descarrega os restantes 4 tiros no Costa que cai morto da carruagem. Ao ver isso, o Buiça que continuava a espingardearia atingindo Dom Manuel no braço direito, vira-se para Dom Luís Filipe e dispara sobre o já jovem Rei, que não reinaria, pois é atingido em cheio na face esquerda com uma bala que atravessa a cabeça e que sai pela nuca, matando-o. Estava consumado o magnicídio!


O tenente Francisco Figueira trespassou, então, o Buiça com a espada e pôs-lhe um fim. Ainda restavam três terroristas, mas graças à acção do Marquês de Lavradio e do Visconde de Asseca que se colocam a servir de escudo e do sangue-frio do cocheiro Bento Caparica, que mesmo ferido, à brida toda dispara os ginetes em direcção ao Arsenal, os intentos assassinos dos carbonários não conseguem completar o plano gizado e Dom Manuel e Dona Amélia sobrevivem. Os outros carbonários, acabaram, também, às mãos do sabre ou da pistola da guarda.



Uma mulher do povo exclama: ‘- Mataram agora o Rei!’

‘Mataram o Rei! Mataram o Príncipe Real!’, eram 17h20m, a terrível notícia espalha-se pela capital. Estava consumada a tragédia do Regicídio!

João Franco e Vasconcellos Porto, corriam a pé atrás da carruagem real!

A Monarquia estava ferida de morte pelos golpes desta tragédia!

‘O meu Pai… o meu Irmão!!!!’

O Rei morreu… duas vezes!!! Dom Manuel era o novo Rei, obrigava-o o dever do trono e destino dos Reis… reinar sobre a morte de quem lhe deu vida!



Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica

Fonte:
https://plataformacidadaniamonarquica.wordpress.com/2016/02/01/regicidio-mataram-o-rei-duas-vezes/

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