IMPERDIVEL

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Maria de Lourdes Pintasilgo

Na política como na sociedade, Pintasilgo deixou marcas indeléveis. A  condição feminina nunca a inibiu.

Se fosse viva, a única mulher que liderou um Governo em Portugal festejaria hoje 80 anos (noticia de 18 de janeiro de 2010). Pretexto para revistar o percurso de Maria de Lourdes Pintasilgo, a mulher que rasgou horizontes na política, na sociedade e, claro, na Igreja Católica.



De um olhar de relance pela biografia de Pintasilgo ressalta o facto de ser quase sempre a primeira mulher nos campos a que se dedicou. Primeira mulher quadro superior da maior empresa nacional da época, a CUF, em 1953. Primeira a exercer, em 1974, um cargo ministerial, primeira a chefiar um Governo, primeira a concorrer à Presidência. A lista, que poderia ser mais longa, se não diz tudo sobre a sua personalidade, diz muito. Revela que nunca a condição de mulher - e de católica - a inibiu, num mundo dominado pelo poder masculino. Talvez porque, como afirma João Salgueiro, "tinha o pensamento estruturado desde muito nova".



O economista conheceu-a no I Congresso da Juventude Universitária Católica, em 1953, a cuja vertente feminina Pintasilgo presidiu. Evoca o verdadeiro projecto de reforma da universidade discutido no congresso. E não hesita em atribuir à sua "concepção de sociedade de valores muitos exigentes" o impulso que deu à participação de muita gente na vida política.

Em 1969, quando ainda dava sinais de querer liberalizar o regime, Marcello Caetano desafiou-a a candidatar-se a deputada. Recusou, mas aceitaria ser procuradora à Câmara Corporativa e liderar um grupo de trabalho sobre a participação feminina no mercado laboral.



Logo ficaram patentes divergências, que o regime apenas tolerava. A poucos terá espantado, portanto, o protagonismo que assumiu após o 25 de Abril. Ela explicaria que não mudou: as suas opções políticas ditavam-se pela leitura que fazia do Evangelho, "que vejo como dirigindo-se a todos os homens e não apenas a um grupo de privilegiados".

Já era então uma referência para gerações de católicos comprometidos com causas sociais, sobretudo pelo envolvimento no movimento Graal, e para quem pugnava pelo reforço do papel da mulher na sociedade. Se como ministra dos Assuntos Sociais deixou marca, ao universalizar as prestações sociais, mais evidente se tornou a diferença que queria protagonizar quando ascendeu a primeira-ministra, em 1979.



O V Governo Constitucional não era de base partidária. Lançado pelo presidente Ramalho Eanes, tinha período de vigência e missão fixadas, já que lhe cabia preparar as eleições intercalares desse ano. Hostilizada pela Direita (Lucas Pires chegou a chamar-lhe "Vasco Gonçalves de saias"), pelo PS, irritado com Eanes e a sentir o seu espaço político ocupado, e até pela hierarquia católica, Pintasilgo levou a sério a independência: o "governo dos 100 dias" apostou no contacto com a população e em medidas sociais.

A primeira vertente é destacada por Maria Elisa, então assessora de Imprensa da primeira-ministra, que na juventude tivera com ela um "contacto intenso e impressivo", ao colaborar em acções do Graal junto de operárias. Na sua óptica, foi ela quem inaugurou os "governo abertos", hoje tão em voga, mobilizando ministros para andar pelo país a detectar os problemas.



Bruto da Costa sublinha o inovador "esquema mínimo de protecção social", aprovado pelo Governo, que englobava prestações de saúde e segurança social, independentes da condição do beneficiário, trabalhador ou não. Então ministro dos Assuntos Sociais, não esconde as afinidades que tinha com a chefe do Governo. "Era uma líder natural, mas não insensível ao lado emotivo das questões. Às vezes, era difícil perceber o limite das mudanças que propunha, o que criava uma certa instabilidade em quem tinha de as executar ou era alvo delas".

Já João Salgueiro entende a acção do V Governo como expressão do optimismo de Lourdes Pintasilgo. "Pensava que era possível criar uma ordem social como ela concebia. Depressa percebeu que não era", diz, reconhecendo embora o facto de perdurarem traços da sua passagem pelo Governo.



Idêntico optimismo imprimiu Pintasilgo à sua candidatura a Belém, em 1986. Nas presidenciais mais disputadas de sempre, defrontou Mário Soares, Salgado Zenha e Freitas do Amaral. Encostada à Esquerda mais radical - ou apenas desalinhada - por força das circunstâncias, obteve cerca de 7% dos votos.

FONTE:
https://www.jn.pt/nacional/interior/maria-de-lourdes-pintasilgo-a-mulher-que-abriu-novos-caminhos-1472303.html

Sem comentários:

Enviar um comentário

Destaques

Maria Lamas (Torres Novas, 1893 - Lisboa, 1983)

Maria Lamas  Nasceu no fim do século XIX (1893), numa pacata vila da província portuguesa do Ribatejo, em Torres Novas, e viveu quase t...

NOVIDADES EBAY