Não há muitos momentos na vida de uma pessoa que se possa dizer que está a viver a História. Não com a intensidade com que os acontecimentos se precipitaram no dia 21 de abril de 1989. O ambiente já era tenso, as perseguições por parte da hierarquia continuavam, mas todos sabíamos, quando na Voz do Operário votámos a entrega daquele documento no Ministério da Administração Interna, que o passo decisivo estava dado, que o 25 de Abril podia chegar à nossa Polícia.
Quando chegámos à Praça do Comércio, apercebemo-nos de algumas movimentações e sabíamos, por intermédio de colegas que estavam de serviço, que o Corpo de Intervenção estava mobilizado nas imediações. Mas também estaria a mentir se dissesse que alguma vez pensei que iria viver o que se passou a seguir.
Ouvimos a ordem clara, que surgiu de um megafone: “Atenção, têm cinco minutos para dispersar!”
Quando os camiões surgiram, e os nossos colegas com os cães e os bastões, houve um sentimento estranho entre todos, creio. O que fazer perante aquele cenário? E os colegas que estavam do outro lado e dariam tudo para estar connosco numa luta que também era deles? Os mesmos que, na noite anterior, andaram connosco às escondidas a distribuir documentos?
Ninguém saiu, apesar da ordem, e quando foram acionados os canhões de água a confusão foi total.
Alguns de nós estavam fardados e armados, perante colegas em serviço. Aquilo durou tudo cerca de uma hora, houve feridos, colegas em lágrimas, e a revolta acentuou-se ainda mais quando soubemos da detenção da delegação de cinco elementos que estava dentro do Ministério. O 21 de abril de 1989 não foi o fim de coisa alguma, foi o início de uma história que ainda hoje estamos a construir.
Mas com as dificuldades que o poder político nos coloca é muito difícil as forças de segurança, especialmente a PSP, conseguirem ter estabilidade para o bom desempenho da sua função que é, em primeiro lugar, proteger e defender o cidadão.
Uma palavra de gratidão para Torres Couto, da UGT, e Carvalho da Silva, da CGTP, que muito nos ajudaram e cuja presença naquele dia de sentimentos tão díspares evitou que aquela vergonha não tivesse proporções muito mais graves.
Uma nota final: fico triste, mas muito triste, por ter tido como Presidente da República durante dez anos aquele que foi o primeiro-ministro que autorizou e consentiu que chegássemos ao ponto de ter polícias a bater em polícias, num país que vivia em democracia desde 1974.
FONTE:
http://expresso.sapo.pt/sociedade/2016-04-21-Secos-e-Molhados-na-primeira-pessoa--Re-viver-a-Historia
Sem comentários:
Enviar um comentário